Data: quinta-feira, 8 de abril de 2004
- Eu quero ver o Deus dos judeus! - disse ele.
- É impossível, Senhor! - disse o rabino. Ninguém pode encarar Jeová, e continuar vivo.
- Para César, o impossível não existe, exclamou Adriano, impaciente. Eu quero ver o Deus de que falas. Conversar com ele, cara a cara.
Josué Ben Nanya aparentemente se rendeu à imposição do soberano.
Conduziu César até a varanda, e pediu-lhe que fitasse o sol, durante alguns minutos.
O astro rei estava a pino.
Faltava pouco para meio dia.
Adriano fez o possível, mas não conseguiu.
A luz derramava-se sobre a terra, como um dilúvio de fogo.
- Não consigo olhar o sol! - confessou finalmente o romano, esfregando os olhos, impaciente.
Josué Ben Nanya olhou Adriano, com firmeza, e lhe disse:
- Se não suportas a luz do sol, que é uma estrela insignificante, como podereis encarar a luminosidade do Deus Eterno?
O orgulhoso imperador baixou os olhos, vexado, e nunca mais voltou ao assunto.
Quase todos os seres humanos têm esta vã pretensão:
Definir Deus!
Equacionar Deus!
Enxergar Deus!
Malba Tahan nos diz:
"Os conhecimentos que temos dos atributos divinos são imperfeitos, analógicos, e feitos mais de negações do que de afirmativas".
Realmente, se há uma incógnita dentro de todas as incógnitas,
esta incógnita suprema é Deus.
Dizem as Escrituras que Deus criou tudo do nada.
As religiões afirmam que Deus está em toda a parte.
Com certeza Ele se encontrava também naquele espaço onde se abrigava o nada...
Aí chegamos à conclusão de que este NADA nunca existiu.
Se Deus ocupava aquele vazio, ele não poderia ser o nada.
Toda a natureza só pode ser o manto do Criador, transformado em matéria, para regalo de todos nós.
No gênesis está escrito que Deus ordenou:
- "Faça-se luz, e a luz foi feita".
Em nosso entender, desta luz nasceram todas as coisas, e esta luz é uma centelha do próprio Criador. Uma coisa é certa: Deus está em tudo e em todos.
"O espírito de Deus pairava sobre as águas"- diz a Bíblia.
Com relâmpagos e trovões, Jeová impôs o monopólio divino:
- "Não farás para ti imagem de escultura!"
Não sobrava espaço para outros deuses.
No Velho Testamento, a idolatria fora estabelecida como o primeiro e o mais pernicioso de todos os pecados.
Naquela época, o monoteísmo fora escrito na pedra.
Era forçoso que fosse imposto, até com violência.
Toda a infra-estrutura da evolução repousava naquele alicerce.
O monoteísmo se impunha, como fundamento.
Por isso Jeová se obrigava a ser tão severo e tão exigente:
"Não terás outros deuses diante de mim".
Ao pé do monte, porém, onde se esculpira a lei na pedra, o povo judeu já festejava uma outra divindade.
O próprio Aarão, sacerdote maior, fundira o bezerro de ouro.
E a multidão dançou em torno dele.
"E todos se divertiram" - Exodo, 32 v 6.
Desde que o mundo é mundo, o ser humano vem corporificando as suas crenças.
Para muitos aquilo que não tem corpo não existe.
É preciso materializar Deus, para que acreditem Nele.
Diante do Bezerro de Ouro, a fúria de Jeová foi implacável.
"Cada um cinja a espada do seu lado (...) e mate a seu irmão (...) a seu amigo (...) e a seu vizinho..."
"(...) E tombaram do povo, naquele dia, uns três mil homens".
Êxodo, 32 vv 27 e 28.
Três mil idólatras tombaram pelo crime.
Por aí vocês tem idéia da gravidade do pecado de idolatria, no tempo de Moisés.
Apesar de tantas mortes, porém, aquele povo não se corrigiu.
A missão que Deus lhes destinara era implantar o monoteísmo, mas eles terminavam sempre burlando a lei.
A história deles é uma sucessão de crença e descrença. Hoje, eles adoravam Jeová; amanhã se entregavam aos ídolos.
Deus os castigava, severamente, e então eles voltavam, humildes, clamando por misericórdia.
O próprio rei Salomão, cantado em verso e prosa, acendeu incenso, diante dos altares da idolatria.
"Salomão dava culto a Astarte, deusa dos sidônios, e a Moloc, ídolo dos amonitas". I Reis, 11 v 5.
Por aí, meus amigos, é fácil de concluir a razão do rigor divino contra os idólatras...
Não havia outra maneira de lidar com aquela gente.
Se os legisladores hebreus não reprimissem severamente a idolatria, o monoteísmo não teria sido implantado.
Certa vez, em Atenas, um grupo de cristãos foi abordado pela gentalha, na praça do mercado:
- Se Deus é poderoso, como vocês falam, por que Ele não arrasa os ídolos?
- Deus poderia arrasá-los! - respondeu Marcipor. Não o faz, todavia, dado que muitos ídolos são coisas úteis, tomadas como divindades. Por que Deus iria destruir o sol, a lua e as estrelas?
O chefe do bando não se deu por vencido.
Voltou à carga, com renovado ímpeto:
- Muito bem, Marcipor... Mas existem divindades representadas por bichos e animais domésticos. Feitos de metais e de pedras, estes não tem utilidade. Deus poderia destruí-los, para mostrar sua força?
Marcipor, depois de refletir algum tempo, explicou:
- Se Deus destruísse estes ídolos, e não aqueles, a idolatria seria fortalecida.
Os idólatras apontariam o firmamento, dizendo: Eis o sol e a lua! Se eles não foram destruídos é um sinal de que são os verdadeiros deuses.
Em matéria de idolatria, portanto, é melhor deixar como está, para que a "emenda não fique pior que o soneto".
Se Deus destruísse as imagens dos animais, e não o sol e a lua, imediatamente o sol e a lua seriam promovidos a deuses.
Todos os seres humanos julgam ter uma cabeça "boa" para interpretar enígmas.
E nascem, desta imaginação fértil, os maiores disparates.
O grupo evangelizador do apóstolo Paulo atravessou maus momentos por causa da imaginação de um grupo de fanáticos.
Demétrio, um ourives que vendia nichos de Diana, ficou enfurecido com a pregação de Paulo.
O Apóstolo "cutucara a onça com vara curta".
Paulo tivera a coragem de dizer que imagem feita por mãos humanas nada significam.
- Sacrilégio! - bradara Demétrio, possesso, reunindo gente disposta a massacrar os cristãos.
- "Todos sabem que a cidade de Éfeso é a guardiã do templo da grande Diana, e da imagem que caíu" (do céu) (dos braços) "de Júpiter".
Atos, 19 v 35
A imagem caíra do céu, por "descuído do pai dos deuses".
Esta idéia fantástica alimentava a superstição e o fanatismo.
Quem nascera de um milagre com certeza seria milagrosa.
O furor do ourives Demétrio nós entendemos: Estava em jogo o seu negócio.
A superstição alimentava seus lucros.
"Há o perigo de nossa profissão cair no descrédito" - afirmava o artífice, cheio de "sagrado" zelo.
Demétrio no fundo... bem no fundo, porém... idolatrava o dinheiro muito mais do que aquela imagem.
E aqui, meus amigos, nós mergulhamos nas águas novas do cristianismo...
Outros tempos, outras idéias, outro ciclo de evolução.
Jesus mudou totalmente o enfoque no campo da idolatria.
Demétrio era mais idólatra pelo seu amor ao dinheiro, do que pelas imagens que fabricava.
Velho e Novo Testamentos tem que ser admitidos como coisas diferentes.
O teólogo que rejeitar esta verdade ficará enredado no cipoal da própria ignorância.
- Isto é um mistério! - dirão eles, no catecismo dominical, e as perguntas continuarão sem respostas.
A rejeição do aprendizado cíclico manterá falha na catequese.
Jesus foi sempre muito claro:
"Os antigos vos disseram: dente por dente, olho por olho".
"Eu porém vos digo: amai até mesmo os vossos inimigos".
Vejam que o ensinamento de Moisés é diferente do ensinamento de Jesus.
Um beijo no rosto é diferente de uma bofetada no rosto.
A maneira com que o Mestre tratou a idolatria é totalmente diferente do esquema mosaico.
Precisamos compreender, de uma vez por todas, que a lei do amor é incompatível com a lei da vingança.
Mais uma vez, apelamos para o ensinamento de Jesus:
"Os profetas e a lei vigoraram até João; desde então é anunciado o Evangelho do reino de Deus.
Lucas, 16 v 16.
Também no aspecto idolatria, Jesus mudou o enfoque.
Os antigos laboravam em torno de um Deus quase humano, que viajava com eles pelo deserto.
Agora, nos novos tempos, o conceito se modificara.
A mulher samaritana interrogou Jesus:
- "Onde adorar a Deus: no monte Garizim ou no templo de Jerusalém?"
"Acredita-me, senhora... Virá o tempo em que nem neste monte, nem no templo de Jerusalém, adorareis ao Pai (...)
"Chegará a hora, e já é chegada, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade!"
"Deus é espírito, e deve ser adorado em espírito e verdade".
Palavras de Jesus, em João, 4 vv 23 e 24.
Clareza maior não seria possível:
"...já é chegada a hora em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade".
Mais uma vez, o Nazareno nos apresenta uma doutrina nova:
"Deus é espírito".
Esta realidade tira o sentido de fabricarmos imagem.
Este Deus não poderá ser modelado em prata e ouro.
Nenhum artífice será capaz de retratar seu rosto.
Eis a razão de que o Mestre se importe menos com idolatria.
Quando o moço rico interrogou Jesus, em busca da vida eterna, o Mestre foi muito claro:
"Se queres entrar na vida, guarda os mandamentos".
Quais? - interrogou o jovem.
E Jesus os enumerou:
"Não matarás,
"Não cometerás adultério,
"Não furtarás,
"Não levantarás falso testemunho,
"Honrarás pai e mãe...
...e amarás ao teu próximo como a ti mesmo".
Palavras de Jesus, em Mateus, 19 vv 18 e 19.
Propositalmente, o Grande Mestre riscou a idolatria.
Se a idolatria fosse tão perniciosa quanto nos tempos de Moisés, o Nazareno a teria incluído.
A omissão revela que a idolatria perdera o primeiro lugar.
Aliás, aqui eu faço um reparo muito importante:
No cristianismo, a idolatria também é um pecado, mas com outro enfoque.
Eu conheço alguém que é visceralmente contra imagens.
Não aceita nem desenhos de avatares em paredes.
Todavia, esta mesma pessoa não pronuncia cinco palavras, sem incluir três vezes o vocábulo "dinheiro".
Orgulhosamente, afirma que odeia imagens.
No entanto, adora o cofre... e o lucro.
Conseqüentemente, é mais idólatra do que imagina.
Lembremo-nos das palavras do Evangelho:
"Ninguém pode servir a dois senhores:
Ou aborrecerá um e amará outro; ou respeitará este, e desprezará aquele".
Não podeis servir a Deus e ao dinheiro".
Palavras de Jesus, em Mateus, 6 v 24.
Não se iludam:
A avareza é uma das formas mais perigosas de idolatria.
"Onde está o vosso tesouro, aí estará o vosso coração".
Poderemos colocar o nosso coração na comida abundante, e a gula será nossa idolatria.
Se a sensualidade avança além da conta, o sexo é nosso ídolo.
Em todas as hipóteses em que Deus ficar no segundo plano, algo perigoso estará ocorrendo.
Os atalhos serão sempre arriscados...
E nós repetimos as palavras de Jesus:
"Onde está o vosso tesouro, aí estará o vosso coração".
Olhar os outros com superioridade, e apontá-los como idólatras pode ser uma tremenda "enganação".
O selvícola, no meio do mato, que dança e reza em torno de uma haste, com uma caveira na ponta, não comete idolatria.
O Pai Celestial, com certeza, respeita a forma de adoração de cada um de nós.
Minha mãe era devota de Nossa Senhora do Rocio.
Em ocasiões especiais, a vela acesa invocava a proteção da "santinha", conforme suas próprias palavras.
Minha mãe afirmava ter recebido muitas graças.
Vocês acham que seria correto alguém condená-la como idólatra?
De uma vez por todas, precisamos entender que o Pai Celestial não está preocupado com a nossa forma de crer...
O Pai Celestial está preocupado, isto sim, com a nossa forma de amar!
Vamos esquecer detalhes irrelevantes.
Tudo aquilo que nos aproxima da espiritualidade é válido.
Tudo o que nos afasta da espiritualidade é perigoso.
No conceito do cristianismo, a idolatria é a substituição do culto legítimo pelos seus atalhos.
Estes atalhos são o corpo físico, a mesa do banquete, o cofre e a conta bancária...
Cuidado! Você pode estar colocando sua oferenda no altar errado.
Medite bastante antes de queimar o seu incenso!