Data: quinta-feira, 17 de fevereiro de 2005
Guiados por Salim Gabirol, Elik e Nagib viajavam pelas montanhas da Líbia,
envolvidos numa grande aventura.
Ao entardecer de uma segunda-feira, uma fera emergiu do bosque, e avançou
em direção a Nagib.
Elik, rápido, muniu-se de um galho, e deteve a fera.
Com risco da própria vida, Elik permaneceu a poucos passos do animal,
munido apenas daquele escudo frágil.
Urrando, a fera ergueu-se nas patas traseiras, demonstrando propósito
de saltar sobre o desafiante.
Elik manteve-se firme, protegendo-se atrás do precário escudo.
Elik não arredou pé!
A fera desceu dos cascos, rugiu mais algumas vezes, e, finalmente, recuou para
a segurança da selva.
Os dois amigos se abraçaram, emocionados.
No dia seguinte, antes de partir, Nagib gravou na pedra escarpada:
Neste lugar, com risco da própria vida, Elik salvou Nagib. Que Alá possa
abençoá-lo para sempre.
A viagem continuou sem outros registros, até que um dia os dois amigos
se desentenderam.
Sangue quente, Elik agrediu Nagib, dando-lhe uma bofetada no rosto.
Naquela mesma tarde, Nagib escreveu nas areias quentes do deserto:
- Neste lugar, por motivos fúteis, Elik agrediu Nagib.
O guia Salim Gabirol manifestou sua estranheza:
- Não compreendi. Há poucos dias, Elik te fez um bem, e gravaste
tua gratidão na pedra. Agora, Elik te fez um mal e escreveste na areia.
Por que?
Nagib demorou algum tempo para responder.
Seus olhos serenos, desprovidos de mágoa, se derramavam pela vastidão
maravilhosa da cordilheira líbica.
Depois deste intervalo, Nagib explicou:
- O mal que Elik me fez, eu quero esquecer antes que anoiteça. Por isso
escrevi na areia que o vento levará.
O bem que Elik me fez, todavia, eu quero guardar por toda a eternidade.
Eis a razão que gravei na pedra a notícia do seu gesto heróico.
Este é o tipo de gratidão que o cristianismo ensina.
Gratidão pelo irmão sol...pela irmã lua...pelo irmão
fogo!
É o modelo cristão de viver, ensinado por Jesus.
Gratidão por todas as coisas que passam pelas nossas mãos, durante
todos os anos das nossas vidas.
Quem sabe agradecer não joga pedras.
Quem agradece não agride.
Quem agradece mostra que se encontra de bem com a vida.
O homem primitivo vivia de rastros, no fundo de cavernas escuras, com medo
das sombras e das feras.
De repente, alguém do grupo deixou escapar duas palavrinhas:
- Muito obrigado.
A magia daquela manifestação abriu sorrisos na comunidade.
Todos compreenderam que estavam integrados.
A noção de família nasceu daquele agradecimento espontâneo.
No mesmo instante, a filosofia do grupo mudou completamente.
Foi naquele momento que o ser humano aprendeu a andar de pé.
O ser humano ergueu-se ao encontro da luz.
Na cartilha do amor, o homem aprendera sua primeira lição.
Os quase primatas descobriram uma senha que os identificava e unia.
Da gratidão expressa naquelas palavrinhas singelas nasceram e se consolidaram
as primeiras famílias...
Com as famílias formaram-se as tribos...
E a força da união banira o medo da escuridão e das feras.
O homem primitivo começou a ser alguém, no momento preciso em
que aprendeu a agradecer.
Os elos da grande corrente se formaram naquele instante.
Raciocinem comigo, por favor.
No exato momento em que eu lhe digo obrigado, eu reconheço a abertura
entre nós de uma dívida.
Eu fico lhe devendo algo.
Contrato implícito se estabelece entre nós.
Mesmo que você nada me cobre, o selo da gratidão permanece colado
como penhor de amizade.
Todos os relacionamentos são decalcados deste troca-troca.
A permuta de socorro não pode ter fim.
Hoje eu fico em dívida com você.
Amanhã você fica me devendo.
Favores recebidos há mais de quarenta anos eu mantenho como algo positivo
nos escaninhos da minha memória
Jesus chegou, e fez crescer a estrada sem fim.
Ele perguntou: “Se emprestais àqueles de quem esperais receber,
qual é a vossa recompensa? Também os pecadores emprestam aos
pecadores para receberem outro tanto”.
Palavras de Jesus, em Lucas, 6 v 34.
Com estas palavras, o Mestre sugeriu que o troca-troca atingisse também
os nossos inimigos.
“Amai aos vossos inimigos, fazei bem a eles, e emprestai sem esperar recompensa”.
Lucas, 6 v 35.
Vocês já imaginaram alguém que não gosta de nós,
de repente nos dizer muito obrigado?
No momento que a frase mágica tenha sido proferida, imediatamente a
inimizade se desfará.
Aquela criatura não pode continuar me detestando, depois de ter manifestado
sua gratidão.
A estratégia do cristianismo é exatamente esta:
Matar o mal com a força do bem.
O mais perverso dos nossos detratores não resistirá por certo
ao fascínio de uma demonstração de boa vontade.
A generosidade é uma fonte eternamente aberta no jardim do Criador Eterno.
Mahatma Gandhi costumava cantarolar versos do poeta Shamal Bhat, sobre a generosidade:
“Por um copo de água, oferece uma refeição
abundante;
Por um aceno de cabeça, inclina-te profundamente.
Por um punhado de ervas entrega uma moeda de ouro.
Por aquele que te salva a vida, não te negues a entregar a tua.
Por um benefício – devolve dez ao benfeitor...
Pagar o mal com o bem...
...em espírito...
...em palavras...
...e em ações...
É a mesma coisa que conquistar o mundo!”
Estas palavras do poeta refletem a mesma doutrina generosa de Jesus:
“Ao que demandar tua túnica, entrega-lhe também a capa.
Se fores compelido a caminhar um quilômetro, caminha com ele mais um”.
Recomendações de Jesus, em Mateus, 6 vv 40 e 41.
Será difícil alguém resistir ao poder de tanto desprendimento.
Exceder a expectativa.
Ser generoso além da conta.
Demonstrar que não cumpre a tarefa por medo, mas sim pelo prazer de
servir.
Com certeza, a força desta generosidade terminará explodindo
o coração de pedra do mais perverso dos adversários.
Tais palavras devem soar estranhas para muita gente, que freqüenta igrejas
e se diz cristã.
Que ninguém esqueça, porém, que a essência da doutrina
de Jesus é exatamente esta:
“Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás
teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e orai pelos
que vos perseguem, para que sejais filhos do vosso Pai Celestial”.
Mateus, 5 vv 43 a 45.
Não adianta questionarmos a realidade dos fatos.
As palavras do Mestre não deixam dúvidas.
Se realmente desejamos que o nosso oponente recolha as armas, e nos diga obrigado,
teremos que usar a receita do Cristo.
A incrível façanha de um inimigo manifestando gratidão
nós só alcançaremos pela força deste amor sem limites.
A história que eu vou contar, embora incrível, é verdadeira
em todos os seu detalhes.
Temos a prova disto, em nossos arquivos.
Alistair Gellatly conduzia um safári, que realizava uma pescaria,
nas fronteiras de Zâmbia e Zambábue.
Isto aconteceu no mês de abril de 1994.
O grupo se encontrava numa canoa sobre as águas do rio Zambeze.
De repente, aconteceu o desastre.
Um hipopótamo de duas toneladas mordeu o barco de fibra de vidro ferindo
todos os seus ocupantes.
Os pescadores ingleses foram tragados pelas águas.
Alistair teve que nadar pela correnteza, em busca de socorro.
Para agravar a situação, um crocodilo abocanhou o seu braço.
Alistair resistiu o quanto pode, mas sentiu que a fera o estava
arrastando, inexoravelmente, para as profundezas do rio.
Ali, ele não teria salvação.
Foi nesta altura, que uma idéia lhe ocorreu.
Introduziu sua mão na garganta do crocodilo, e agarrou com violência
o que encontrou.
Forçado pela dor, o bicho abriu a boca, e Alistair conseguiu retirar
o braço.
Nadou desesperado ao encontro da margem.
Foi então que percebeu que a noite chegara.
Durante a noite, as feras deixam suas tocas, para caçar.
Alistair sangrava, e o sangue era uma atração irresistível
para todos os predadores.
De longe, o cheiro do sangue poderia atrair hienas sedentas.
Da floresta, em torno, chegavam uivos, mostrando a proximidade do perigo.
Alistair sentiu todo o peso da fatalidade.
Somente um milagre poderia salvá-lo.
Tombou, exausto, manchando a relva de vermelho.
Foi quando viu chifres enormes, movendo-se além da copa dos arbustos.
Alistair gelou: Tratava-se de um búfalo africano.
"Um macho solitário desta espécie é um dos animais
mais temidos da África”.
"O mundo dos safáris estava cheio de histórias de caçadores
pisoteados até a morte, por eles”.
Alistair entregou-se passivamente ao desfecho previsível.
Não conseguiria correr.
Não enxergava maneira de escapar.
O mais certo seria esperar a morte com dignidade.
"A uns dez metros de distância, o animal parou, e olhou para Alistair.
Então dobrou as pernas da frente, com cuidado, e, emitindo um grunhido,
arriou o corpo imenso, sobre a relva.
Perplexo, Alistair viu o búfalo ruminando tranqüilo, vigiando a
perigosa colina, de onde chegavam os uivos ameaçadores.
Então, uma idéia absurda se corporificou na mente do guia de
safáris:
- Aquele búfalo estava ali para protegê-lo! Só podia ser.
Foi tão forte a certeza e a confiança, que Alistair pegou no
sono... e dormiu, sem medo”.
Acordou, sobressaltado, com o búfalo se erguendo, ruidosamente, e seguindo
ao encontro da colina.
Alistair estava salvo.
O sol nascia.
A noite perigosa se fora.
"Estreitando os olhos à luz brilhante do rio, Alistair contou as
quatro figuras perdidas na névoa da manhã.
É um milagre, pensou, mas estamos todos vivos".
O guia de Safáris jamais esqueceu o guardião silencioso daquela
terrível noite.
Explicar não podia.
A verdade, porém, não poderia ser negada.
Ele fora salvo por Deus, através aquele animal.
Cada vez que fala nele, Alistair Gellatly se enternece, vertendo lágrimas
de gratidão...
O fato, meus amigos, é que todos somos devedores na esteira infinita
de nossas vidas.
Toda a natureza é o manto do Senhor Deus.
Os bichos, as flores, as árvores...
Todos nós nascemos para o serviço do Pai Celestial.
Se houver disposição fraterna, este conjunto imenso abrirá suas
portas e os grandes segredos do Universo serão revelados.
O certo será manter esta integração mágica com
o Divino, através do nosso fervoroso agradecimento.
A fera que salvou Alistair era um elo desta corrente.
Se nos mantivermos em harmonia, sintonizados nesta egrégora, por certo
seremos beneficiados por ela.
O Criador está presente em todas as criaturas...
Deus age no sopro do vento..
O Espírito Divino se espalha nas águas...
Os olhos do Senhor enxergam na escuridão dos abismos...
O Pai Celestial tem o remédio certo para todos nós...
Vale a pena repetirmos sempre:
- Muito obrigado, meu Deus.
Louvado seja Deus.